os pés no chão
enroscar a verdade,
emudecê-la
se esconder
da experiência de morte
rosnar para a
cidade e seus signos
marchar em direção
a um penhasco
cambaleando no escuro
perder de vista
o roçado e
embolar-se em
um milharal
começar pelo fim
desdenhar do vulto
de igualdade
rosnar para
um cão manso
não alcançar o chão
Pra seguir a conversa, o poema, na poesia de Maria Dolores Rodriguez, não é o bastante - não é quase nada, aliás. Em comparação com forças como a força das cobras corais da Chapada Diamantina, do sal marinho e de um afoxé, os poemas são coisas pequenas - coisas que, no entanto, mesmo pequenas, seguem sendo feitas pela poeta (aqui, me lembro dos grandes versos que abrem o poema "Coração pequeno", de outro autor baiano, Carlos Arouca: "deus é para quem é supremo/ deixa eu aqui/ com o meu coração/ pequeno"). Diante das tragédias urbanas de fundo evidentemente racial, o poema não serve pra quase nada: não "levanta muros/ constrói casas ou/ interrompe a chuva" que provoca os deslizamentos nas encostas de Salvador. O poeta, ao contrário do que propunha Nicanor Parra num famoso manifesto seu, não é um pedreiro - a não ser metaforicamente, em provocações internas ao mundo quase sempre fechado da poesia e da literatura: o poeta não é um pedreiro. Por outro lado, também não é um demiurgo (como era para Vicente Huidobro, que estava na mira de Parra) capaz de interromper e controlar as chuvas (lembremos: deus é pra quem é supremo - e um combate das supremacias é o que se promove aqui, neste tom distinto de poetas que são deuses ou de poetas que simulam ser trabalhadores). Nenhuma ilusão nestes versos de Maria Dolores Rodriguez - mas também nenhuma entrega a uma pura imanência mundana (já que a palavra, para ela, é um egun) ou a uma simples inércia (já que alguma revolução - aquela contra supremacias, por exemplo - informa grande parte dos seus versos). Qual, então, o seu lugar diante dessas forças da natureza que se abatem sobre a cidade (e a poesia, aqui, já sabe qual a verdadeira causa dos desastres, chamados equivocadamente de desastres naturais)? Sendo coisa pequena, sem grandes poderes, o poema aparece cheio de possibilidades (há certamente, nesta poesia, uma proposição inovadora para ler as divergências entre o poder, aquilo que se detém, e o poder, aquilo que é possível): aparece, por exemplo, como uma via para embolar - perder-se numa experiência genuína na roça de milho verde (um espaço fundamental do candomblé) e bolar outras tramas, a um só tempo pequenas e vastas. "Começar pelo fim" - mais do que lidar com as contradições, criá-las e jogá-las no mundo, na cara de quem pensa estar acima delas.
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