"Cajuína" é, de longe, uma das melhores leituras já feitas sobre a obra de Torquato Neto. Há, ali, uma atenção total de Caetano aos textos do poeta piauiense: dos equivocábulos (vindos do seu contato com Augusto de Campos) com os quais ele reinventou as mitologias das saudades dos migrantes, colocando-as em espaços inéditos até então (as viagens via linguagem e a tristeresina) até a centralidade da figura do menino, esse outro mito do imaginário regional do nordeste ("vi que és um homem lindo e que se acaso a sina/ do menino infeliz não se nos ilumina"), a canção de Caetano faz o retrato não sei se do poeta, mas do poema que ele escreveu com sua vida. Esta figura do menino, tão cara a Torquato, foi mobilizada nas artes verbais nordestinas para os mais diversos fins: para o choro das elites decadentes - em Menino de engenho, de Zé Lins; para o vislumbre de um futuro revoltoso e comunista - em Capitães da areia, de Jorge; para a investigação da memória entre o exílio e o engajamento - no "combatente clandestino aliado da classe operária/ meu coração de menino", de Gullar; para desfiar um rosário melancólico, fazer um inventário de perdas - como em "Velha chácara", de Bandeira, ou "A rua", do próprio Torquato; para cantar sobretudo São João (cuja imagem mais popular é a de um santo menino), como em "A função" de Elomar e no festivo "São João Xangô menino", de Gil e Caetano ("quero ser sempre menino, Xangô'"). Mais recentemente, no entanto, o que se passou foi a introdução de um dado original, um verso novo sobre esse mote que o tecido poético nordestino sempre retomou com maior ou menor interesse e vitalidade. Numa entrada radical e repleta de implicações no campo dessa tradição onde os homens até então jogavam quase que sozinhos, entre eles, a baiana Luedji Luna (que, ao contrário de todos os outros citados acima, não foi menino), para encarar o genocídio da juventude negra sob a perspectiva feminina e materna, compôs e cantou "Cabô": "cabô, cadê menino?" e "e depois das 20h/ menino, volte pra casa!" são versos que põem em uma nova perspectiva essa tradição tão rica de cantar e escrever as sinas de meninos infelizes - e a matéria fina das suas vidas, mais fina ainda a de certos meninos e certas vidas.