Uma coisa que gosto muito no Noite de São João, de Natália Agra, é a recuperação daquela que, pra mim, é a verdadeira dimensão da noite de São João - ou seja: o livro situa a festa onde ela de fato se faz, no espaço da casa, que a certa altura se abre pra rua, pra comunidade próxima, pra vizinhança. A despeito do que tentam nos dizer as indústrias da cultura e do turismo, o São João não é um carnaval e nem uma festa de rodeio - seu tempo e sobretudo sua natureza são outros, marcados por uma melancolia que se tenta matar com licor, forró e fogo. Ao modo de Manuel Bandeira, Natália entende que um do brilhos da noite de São João é sua capacidade de iluminar as duas pontas da vida - dentro dela, desta noite, estão sobretudo as crianças, que acabam de chegar, e os velhos, que estão prestes a sair (e, a certa altura da noite, aqueles que de fato já saíram). No meio, e meio fora da noite, estamos nós, os outros, assombrados pelos '(...) últimos anos felizes da família', como aparece num verso - nós que, a rigor, estamos todos como Fernando Pessoa num dos poemas que guia esse livro: sem noite de São João. Natália capta de forma exemplar esse tom, mas sem complacência nenhum - e até com alguma revolta -, já que o livro que começa buscando o esquecimento se fecha pedindo a destruição da casa. Tudo isso, acho, sinal da melancolia que a noite de São João é capaz de suscitar - e não é por acaso que o cancioneiro em torno da noite seja marcado pela afirmação reiterada da saudade (de um amor perdido, da infância, da roça, da forma como a festa era feita, dos últimos anos felizes da família etc.). Esse livro, que carrega a noite de São João em seu título, amplia com bastante força esse topos, inserindo-se ao seu modo, silencioso, nesse cancioneiro.